segunda-feira, julho 26, 2010

O Culpado

Até aos anos 60, a vida de Jocielson foi um espectáculo. Era o Brasil no seu esplendor: praia, suruba, caipirinha, praia, samba, caipirinha, mulheres bojudas ao nível da retaguarda mas incrivelmente planas do outro lado, descanso, caipirinha, calor, peladinhas na praia e caipirinha. Perereca era uma dessas mulheres que levava a vida a dizer “meu bem”, “que gostoso!”, “pois não” e coisas que só as brasileiras sabem dizer com aquele sorriso imaculado na cara de maneira a parecer que estão a sentir realmente o que estão a dizer. O que era mentira, e ainda é, mas que era óptimo, e talvez ainda seja, para fazer bom ambiente. Eram tempos dourados. Ninguém trabalhava e essa foi uma tendência que se manteve impecavelmente intocada até hoje. Só se corria para jogar à bola e para apanhar o ónibus a caminho do boteco ou da praia, e isto se já não se morasse numa proto-favela junto à praia, onde metade do areal servia para a instalação de bares artesanais para a disponibilização de bebidas alcoólicas. Jocielson e Perereca encontraram-se por casualidade numa praia num dia de folga, quem diria?, quando o primeiro calculou mal o timing de uma finta durante uma pelada e a bola saiu desgovernada, calcorreando alguns metros na areia até atingir a bunda de Perereca, que estava deitada de barriga para baixo a apanhar búzios para a sua refeição. Ou à espera do destino. A bola perdeu-se para sempre naquele universo de carne. Mas Jocielson não se importou: ele e Perereca cimentaram logo ali uma química brindada com caipirinhas ao pôr-do-sol. Ao som da bossa nova trocaram carinhos e ficaram por lá até as estrelas preencherem o céu. E depois apareceu um tucano gigante que se meteu à frente da nossa vista a vender-nos guaraná e mais ninguém ficou a saber ao certo o que ambos estiveram a fazer até tão tarde.
O que é indiscutível é que a vida de Jocielson mudou nesse ano de 1960. Houve um dia em que ambos estavam de folga, como seria de esperar, e Perereca apareceu com uma barriga um bocado mais saliente. Jocielson começou logo a desconfiar, porque caipirinha não engorda e Perereca não podia engolir bolas de futebol sem o seu consentimento. Perereca estava muito feliz, contudo, e isso tanto podia ser do facto de estar grávida de Jocielson ou pelo facto de ter bebido muita caipirinha nesse dia. Infelizmente para Jocielson, Perereca tinha largado o álcool duro com o método “cold turkey” e agora só bebia cerveja acompanhada de abacate, abacaxi, goiaba, maracujá e mais uns quantos frutos que compõem o Bongo. O que era melhor para o fígado mas de efeito pernicioso para o intestino. Não era uma situação “win-win”. Jocielson sentiu o seu mundo a desabar, como se um Roberto tivesse chegado à sua baliza por 8,5 milhões, uma figura de estilo bastante válida se não estivéssemos em 1960. “Ó aí”, disse a babada Perereca, “si fô minino, vai sê jogado dji futjibóu”. O que ela não disse é que se fosse menina iria trabalhar para um restaurante de um centro comercial da zona metropolitana de Lisboa, com sorte; mas, felizmente para Perereca, o bebé saiu mesmo com uma espécie de cordão umbilical permanente e, hossanas ao Senhor, queria jogar à bola.
A vida colorida de Jocielson tornou-se negra. Ou acastanhada. É a cor das fraldas. Já não havia praia 360 dias por ano; já não havia as 30 e tal caipirinhas horárias do costume e o miúdo estragou-lhe grande parte do seu descanso. “Maldição!”, desabafou Jocielson, que ainda equacionou fugir para o Paraguai para livrar-se daquele fado em que se tinha tornado o seu sambinha de Verão. “Para quê?”, perguntou Perereca. “Paraguai”, respondeu Jocielson.
Estava claro que a culpa da situação era do miúdo. O culpado era o nenê. E se o culpado é sempre o mordomo e todos mordomos se chamam Jarbas, com excepção do tipo do Ferrero Rocher que se chama Ambrósio e que nem será bem um ser humano para aturar aquela gaja que tem um gosto para chapéus e vestidos insuportável e que só quer é exposições de arte e limusinas e essas cenas que nem ao Nuno Gomes interessam, então o nenê iria chamar-se Jarbas. E Jarbas ficou.
Jarbas cresceu com o ódio do pai e a alegria despassarada da mãe, que passava os dias a sambar nas ruas do vilarejo e as noites a fazer tricot junto a um coqueiro na praia ao som de um cavaquinho tocado pelo Seu Eleutério, que era um velhote de pele encarquilhada e sem dentes que bebia cachaça pura e que existia sempre junto a uma praia do Brasil, qualquer uma que ela fosse, e que um dia as crianças descobrem que apareceu a boiar no alambique da aldeia e que vai ser substituído por um ex-jogador de futebol, também sem dentes, chamado Clodoaldo, ou qualquer coisa do género, que esteve algures no fim de carreira a jogar no Portimonense, sem sucesso. Depois as coisas tornaram-se ainda mais complicadas com o advento da Ditadura Militar, que obrigou os brasileiros a sambarem 3 horas por dia útil e 12 horas aos fins-de-semana (que iam de 4ª a Domingo) e os restringiu a beber somente 10 caipirinhas por dia, com a promessa que podiam ir à praia 200 dias por ano, no máximo. Com a Ditadura não se brincava e se esta era, ainda por cima, Militar, ui, era melhor ter cuidadinho. Mas isso já é demasiada política e, sendo este um blogue de futebol, ou lá o que é, deixo esta análise para o Nuno Rogeiro, que também percebe de futebol e de como jogar ao Risco com o Martim Cabral, que fica todo lixado por ver sempre o Nuno Rogeiro a movimentar os soldadinhos do Quebeque para o Ontário com a facilidade de quem contrata jogadores para o FCP, a sacar duplos e triplos 6 com os dados e a ganhar sem mudar um pouquinho a disposição do seu cabelo. Aliás, o Nuno Rogeiro percebe de tudo e até percebeu que nós algum dia iríamos referir o seu belo penteado por aqui. O Nuno Rogeiro só não é como o Mourinho porque não quer e porque falar com embaixadores dá outro estilo, a cena dele é outra, mind ya.
Bom, Jarbas fez-se homem, dando uns toques na praia e aprendendo o b-a-bá do samba com Perereca, ou seja, como abanar a celulite com saltos altos, mas sempre carregando a cruz de Jocielson às costas, que nunca lhe perdoou o facto de Jarbas lhe ter estragado a juventude. Chegámos aos anos 80 e, no meio de tanta telenovela com gente de chumaços nos fatos verdes e laca em cima de mullets desavergonhadas, houve um momento de lucidez na cabeça de Jocielson. “Ó aí, rapai”, apontou Jocielson a Jarbas, enquanto se servia de mais uma caipirinha, “tu vai ganhá grana prá tua família prá Europa, tu tá ouvindo?”. Jarbas estava meio distraído pelo facto de Perereca estar a dar à luz o seu 5º irmão enquanto batucava numa caixa de fósforos, mas percebeu a mensagem. Fez a trouxa, que consistia apenas num par de chinelas, duas limas (um fruto e uma ferramenta, pelo sim pelo não) e gelo picado que nunca chegou ao destino, e fez-se à vida, para a Europa. A velha Europa onde residia o Eldorado do jogador de futebol.
Infelizmente para Jarbas e Jocielson (não tanto para Perereca, que estava distraída a escolher bikinis), o máximo que conseguiu foi chegar a Portugal, que não era bem Europa a sério e que tinha demasiados bigodes para ser como o Brasil, para além de que aqui se bebia mais vinho tinto a martelo do que caipirinha, como não podia deixar de ser no país com a maior taxa de penetração do grande flagelo infecto-contagioso do século XX: o benfiquismo, doença incurável com picos de elevada parvoíce durante a pré-época. Mas a culpa foi de Jarbas, que assim que viu “Beira-Mar” num pedaço de papel disse logo que sim e assinou de cruz, que era a única forma que ele sabia como assinar, pensando que era um clube de praias com coqueiros, mulatinhas com tangas minúsculas, cheiro a maresia e coisas do género. A parte do cheiro a maresia era verdade, vá lá. E quando cá chegou, deu logo de caras com o Dinis. O anti-clímax total.

Dinis, imponente, puxou a culatra atrás, “rrrrrrrrrr”, e soltou uma escarreta para o chão, “ptui!”, que deixou Jarbas abismado. Dinis era idolatradíssimo com a sua barba de Sandokan e, não raras vezes, sacava estrelas ninja do seu turbante com que cortava jogadas e membros dos adversários, se a situação o exigisse. Dinis só falava inglês. Para o estilo. Tinha sotaque de John Wayne e gostava de olhar Jarbas de alto a baixo com as mãos nas ancas. “Whassup, dude? Comin’ here to play some real stuff, hey?”, disse-lhe em tom jocoso, enquanto mascava uma caneleira só para o cenário, cuspindo os restos para dentro de um balde, ao jeito de quem masca tabaco num saloon de velho Oeste. Depois apareceu o Zé Ribeiro, um religioso convicto, que mal viu Jarbas soltou “Oh, meu Deus!” e Jarbas “O que é que foi? O que é que foi?”, sem que reparasse que estava a pisar o Redondo, o que fisicamente até é difícil de fazer sem se sentir, porque Redondo não tinha arestas e raramente parava quieto nos treinos, mal vinha o vento e lá ia Redondo a deslizar sobre o relvado. E quando faltavam as bolas, o que acontecia regularmente após os chutões do Costeado para o quintal contíguo ao Mário Duarte, o Redondo, nas palavras de Dinis, “stepped in”. Todavia, a culpa tinha sido de Jarbas, o Redondo já lá estava mas não se importou, pois estava habituado a ser sempre pisado, pontapeado e maltratado, menos pelo Paquito, visto que o Paquito não percebia as anedotas e uma vez quando lhe disseram para repetir muitas vezes a palavra “branco”, o Paquito disse “branco, branco, branco, branco, branco, branco, branco, branco, branco, branco” e depois perguntaram-lhe “o que é que a vaca bebe?” e ele disse “leite” e o pessoal riu-se todo e ele até hoje ainda não percebeu o que é que correu mal, porque na cabeça dele as bovinas nunca bebem água como os humanos e fazem uma espécie de fellatio auto-induzido à la Marilyn Manson para debelar a sede. Mas tudo bem, estava tudo na boa, o Zé Ribeiro benzeu-se, o Redondo não fez caso, levou com um biqueiro do Dinis e foram todos treinar.
Jarbas iniciou então a sua aventura, tentando ludibriar uma série de pinos no treino ministrado pelo belga Jean Thiessen. Que era melhor treinador que o outro belga, o Waseige, que nem era bem um treinador na verdadeira acepção da palavra porque dizia que o Missé-Missé era um “très bon joeur” e gostava de fumar cigarrilhas, muito menos pedófilo que este, ligeiramente melhor guarda-redes que o Filip de Wilde, tão expressivo como o apóstrofe do Preud’Homme e tinha cabelo menos encaracolado que o Demol. E pronto, de uma penada resumimos a história da Bélgica no futebol português, faltando apenas o Alain, que por acaso também estava neste plantel. Quer dizer, não era por acaso, mas para o caso tudo bem, é uma boa expressão. Jarbas, após algum esforço e uma troca atabalhoada de pés, contornou o primeiro pino, porém derrubou previsivelmente o segundo e parou sem saber bem o que fazer no meio do relvado, bloqueando a dinâmica colectiva do treino. Thiessen perguntou “Então, já ‘tá? Então, já ‘tá? Então, já ‘tá?” como se fosse o Bart e a Lisa Simpson no banco de trás para o Homer e o Jarbas urinou-se pelas pernas abaixo com medo da reacção do Dinis, que estava admirado por finalmente ter alguém que falava a mesma língua em termos de destreza técnica com a bola. “You’re my man”, confortou o Dinis, acrescentando, “but you’ve ruined the training, so the fault is yours”, para desalento do Bugre, que queria mostrar a sua bandolete à saciedade/ à sociedade/ ao Nuno Sociedade (riscar o que não interessa – mas não experimentem fazê-lo no monitor ou mesmo no vosso PDA) no treino e impressionar mais que o cachimbo de água do Abdel-Ghany, que todos pensavam que continha haxixe. Todos menos o Paquito, que era muito inocente e julgava que o Di María só saía mesmo pela cláusula de rescisão, isto com 20 e tal anos de antecedência, ainda o Di María não devia ter nascido, vejam bem. Com o treino arruinado, Jarbas começou a traçar o seu destino. Que não era mais que um segmento de recta imaginária que ia do balneário até ao banco. Entretanto, o Covelo divertia-se que nem um doido com o cachimbo do Abdel-Ghany e era vê-lo marcar auto-golos e agarrar-se à bandeirola de canto a rir-se que nem um perdido para incredulidade geral. O Abdel-Ghany dizia que não percebia a reacção, que aquilo era só umas pedrinhas com sabor a baunilha e que faziam borbulhinhas na água, o que até dava um aspecto lúdico à coisa e era engraçado de ver e cheirava bem e tal. ‘Tá bem, abelha. E o Dreyffus queixava-se que o Covelo não passava o cachimbo a ninguém mas também não se podia queixar muito, porque no campo era o Dreyffus que não passava a bola a ninguém.
Todas as equipas tinham a sua vedeta e Dreyffus era a vedeta do Beira-Mar. Tinha nome de tipo francês importante ou de actor secundário no “Tubarão I”. Só isso lhe conferia autoridade. Aliás, Dreyffus tinha o dístico “VEDETA DA EQUIPA” colado em letras garrafais no vidro traseiro do seu Ford Escort, mesmo ao lado do autocolante da Rádio Cidade e por cima do popular “Perca peso. Pergunte-me como”. Até nisso o Dreyffus destacava-se dos demais, pois Bugre tinha um Opel Ascona, o Redondo nem sabia conduzir, o Abdel-Ghany não conduzia por ser contra a sua religião, o Zé Ribeiro não conduzia por pensar que ia contra a religião do Abdel-Ghany e o próprio Jarbas ia de bicicleta para os treinos. Culpa dele, claro, que se esqueceu das chaves na ignição do seu VW Brasília e disse adeus à viatura. Dreyffus jogava sempre os 90 minutos, mesmo que só passeasse a publicidade às Telhas Campos pelo campo. O que não deixa de ser irónico, porque havia um tipo no plantel que só por duas vezes foi para o banco, em dois gestos de pura caridade de Thiessen. O seu nome: Reydis. Era guarda-Reydis, estava bom de ver. Também, com o Miguel a titular, era difícil. O Miguel era careca e isso impunha respeito. Ou, como diria o Dinis, “He’s a goddamn stylish m.f.”. O Reydis nunca perdoou o Jarbas pela sua sorte e acusou-o de ter sido o seu mau karma o causador da sua situação aberrantemente secundária. O Jarbas lá veio com cartas astrológicas e combinações astrais mas o Reydis não foi na conversa e incompatibilizaram-se logo ali, como Stojkovic e Paulo Bento. Bem, tanto assim talvez não, mas, pronto, estavam tipo Izmailov e Costinha. O Reydis disse-lhe, “Meu, neste banco eu sento-me aqui e tu vais lá para o fundo que não te posso ver nem pintado”, o que deitou logo por terra o body-painting colorido com que Jarbas uma vez se apresentou ao jogo. E depois o Jarbas estragou o banco onde se sentou porque a tinta ainda não tinha secado totalmente. Zé Ribeiro fez o sinal da cruz e largou um “Ai! Jesus!” e o Jesus, que estava na baliza do Leixões, quase que se distraía e comia com um golo do meio-campo do Alain. Ou do Bugre. Era difícil distingui-los. Os dois andavam sempre juntos e havia quem dissesse que aquela amizade era demasiado suspeita. Menos o Paquito, que tinha amigos imaginários com quem bebia chá e estava sempre à espera que aparecesse o coelhinho da Alice no País das Maravilhas para passarem o tempo e para quem a amizade não tinha limites de decência. O Covelo disse que os viu a comer do mesmo esparguete até os seus lábios se tocarem, como n’ “A Dama e o Vagabundo”, mas que não conseguiu ficar acordado até ver essa parte. Ninguém acreditou, mas os rumores costumam ter sempre uma base de realidade. Quem sabe, quem sabe… Aquele banquinho, contudo, ficou irremediavelmente estragado e o clube imputou as culpas ao Jarbas. Como sempre.
À 18ª jornada, Jarbas deu nas vistas. Acertou em cheio com a bola no meio dos olhos do Paulo Campos e deixou-o temporariamente cego. O Thiessen perguntava do banco “Então, já ‘tá? Então, já ‘tá? Então, já ‘tá?” e, após algum esforço, finalmente o Paulo Campos recomeçou a ver, não sem antes ter sido apanhado em flagrante fora-de-jogo uma meia-dúzia de vezes e de ter apalpado dois GNRs junto à linha lateral quando pensava que estava a agarrar uma garrafa de água: um dos GNRs gostou, o outro autuou-o, mas depois achou queriducho e acabou por rasgar a nota de culpa, optando por passá-la antes ao Jarbas, que tinha mais cara de quem cometera alguma ilegalidade. Mas Jarbas estava diabólico naquele dia. Cumpriu os seus primeiros 90 minutos completos. O resultado: um glorioso 0-0. Dinis só lhe disse, em jeito de palmadinha nas costas, “Nevermind…”, e o Jarbas, sem deixar cair a bola no chão, “Tudo jóia, cara, eu vou nevermind isso”, ao que o Dinis ajuntou “… the bollocks, here’s the Sex Pistols is a great album, you shoulda hear it when you’re down, boy. By the way, you really sucked today”.
Naquela altura, Jocielson, que era o progenitor do Jarbas para aqueles que já se esqueceram, já começava a sentir as saudades a apertar. Saudades do dinheiro enviado por Jarbas pelo correio. E porquê? Porque Jarbas se esquecera de comprar selos e tinha dito ao Covelo para comprá-los por si. O Covelo pensava que aquilo era LSD e meteu-os debaixo da língua. Mas aquilo não bateu e o Covelo ficou a ressacar no balneário, deixando Thiessen sem opções no eixo defensivo e obrigando o Dinis a distribuir fruta por dois. “I’m cool with that”, disse o Dinis, mas aquilo era demais até para o Sandokan e o Dinis não sabia bem onde se estava a meter. O Redondo, como era seu apanágio, descaía muito para as zonas laterais, para onde o terreno inclinava, e deixava auto-estradas abertas para o fuzilamento do desamparado Miguel. Portanto, o Jarbas ficou com as culpas de não ajudar os pais por desleixo, deixou o Covelo fora de combate e sobrecarregou o Dinis. Para cúmulo dos cúmulos, Jarbas partiu a bandolete do Bugre durante o aquecimento, o que fez o Alain ficar fulo da vida e entrar numa espiral de sub-rendimento que, afinal, foi um pouco a história da sua vida. Tornava-se cada vez mais notório que Jarbas estava a constituir parte do problema e não da solução. A expressão “ter culpas no cartório” aplicava-se na perfeição a Jarbas, porque uma vez o Dreyffus, farto de tudo, foi a um cartório notarial e autenticou formalmente as culpas do Jarbas. Tinha que haver uma conversa séria com o Jarbas.
Essa altura chegou e o plantel reuniu-se no balneário para discutir o dossier-Jarbas. O Abdel-Ghany acobardou-se e veio lá com as desculpas dele “ah e tal, tenho o Ramadão à minha espera, vou ali ficar de jejum e já venho”. Só voltou no final de Abril. O Dinis, por seu turno, quis fazer o papel do polícia mau e atar o Jarbas a uma cadeira numa sala sem janelas apenas com um candeeiro com uma lâmpada intermitente de 40 W e esbofeteá-lo até ele desistir, mas o plantel, um pouco a medo, recusou e o Dinis perdeu o controlo e desatou a gritar “You fools! We’re all gonna die! DIE!!!” mas depois deu um pontapé no Redondo e aquilo passou-lhe. O Costeado, que era um tipo ponderado, abeirou-se do Jarbas e disse-lhe, “Pá, olha, isto não está a correr bem, gostamos muito de ti, mas se calhar precisamos de dar tempo ao tempo. E como não temos muito tempo, o melhor é talvez procurares outro caminho. Sei lá, o Tirsense. Ou dedicares-te a escrever romances policiais em que apareças como herói, para variar. Qualquer cena”. Jarbas então deixou escorrer uma tímida lágrima, vergastado pelas evidências. “Pôxa, então a culpa é toda dji eu?” e o Costeado “Não temos provas científicas, mas temos a certeza que sim”, ao que o Jarbas respondeu com um dilúvio de choro e baba e ranho e coisas cor-de-rosa que nem queremos saber o que eram ao certo. “Tudo bem”, disse um meio-refeito Jarbas, enquanto fechava a porta do balneário de forma bisonha atrás de si, um clique triste e arrastado, perante o silêncio emocionado do resto do plantel. Depois apareceu o abananado Thiessen que perguntou “Então, já ‘tá? Então, já ‘tá? Então, já ‘tá?” e o Paquito “Hã? O que é que foi?” e todo o balneário rebentou em sonoras gargalhadas de meter inveja às melhores trips do Covelo, o Redondo rebolou-se todo a rir, o Zé Ribeiro disse “Minha Nossa Senhora!” deitado no chão num delírio histriónico, coisa que em condições normais ninguém faria, tal era o pé-de-atleta que por abundava naqueles azulejos encardidos, e pronto, estava restabelecida a harmonia no seio do grupo de trabalho. “You guys rock!”, admitiu um Dinis com brutais dores abdominais de tanto rir.
Aquilo deu para assegurar a permanência na I Divisão, que era o nome arcaico da The League Formerly Known As [Insert Advertiser] League, mas Jarbas voltou atrás com a palavra e ainda ficou para mais 3 épocas. Cada vez jogando menos, é certo, de modo a amenizar as suas culpas, mas o que não mata mói e houve gente que não aguentou. O Thiessen não gostava que lhe faltassem ao prometido e nem pensou duas vezes: foi para a terra de Manneken Pis fazer o que ele fazia e há quem diga que o seu instrumento era ainda de menor dimensão. O Dreyffus mandou o seu estatuto de vedeta às malvas e deu de frosques para esse grande colosso onde podia espalhar o seu estrelato como quem chega a uma praia e estende uma toalha em cima do local onde esteve o cão do lado a fazer umas coisas marotas há cinco minutos atrás que era o Tirsense. O Alain chateou-se com as bandoletes do Bugre e também foi para o Tirsense volvido um ano. E o próprio Redondo, após um dia de tempestade monumental, rebolou tanto e de tal forma que acordou em Santo Tirso e deixou-se por lá ficar passados uns tempos. Entretanto já o Jarbas tinha desaparecido do mapa, por volta de 1992. Supõe-se que tenha voltado ao Brasil, onde encontrou papai Jocielson satisfeito com a sua fazenda e com a sua fábrica de caipirinha clandestina que entretanto montara. Perereca tinha pedido o divórcio, mas lembrou-se que nem sequer tinha casado e um dia abriu a porta e foi apanhar búzios outra vez para a praia e nunca mais foi vista. Jarbas, esse, já não respira futebol. Iniciou uma carreira de sucesso como mordomo de um daqueles magnatas paulistas que só andam de helicóptero, que têm uns cães enormes que matam só com o bafo de tão selvagens que são e que se dedicam a destruir as pretensões de qualquer Zé Carioca que se aproxime da sua filha com cara de periquita e que se chama Rosinha. O seu sonho é um dia substituir o reles do Ambrósio, o seu arqui-inimigo, e colocar uma bomba no Ferrero Rocher para acabar de vez com aquele anúncio. Se nunca mais virmos a patroa do Ambrósio, saberemos que a culpa vai ser, como é óbvio, exclusivamente do Jarbas. Desta vez a sério.

quinta-feira, julho 22, 2010

Fatih, a bola e cotão de umbigo.

Hoje temos a enorme satisfação de poder deliciar-vos com uma iguaria do mais alto calibre: uma opípara cromo-entrevista com o incompreendido bad-boy do futebol turco-neerlandês, Fatih Sonkaya.

CDB : Fatih, boa tarde. Antes de mais, deixe-nos congratulá-lo pela inequívoca demonstração de inépcia que desenhou na relva lusitana ao cabo de três longos anos.

FS : Ora essa. Só tenho pena que nunca me tenham visto de bigode. Curiosamente, a fase em que o deixei crescer coincidiu com a altura em que deixei de ser convocado no FCP. Ou seja, passado o primeiro mês da época de estreia.

CDB : Quando toparam que afinal o Fatih não valia puto…

FS : Sim, provavelmente. E ainda demoraram umas semanas para chegar a essa conclusão. Pobres diabos.

CDB : Ainda assim, sagrou-se Campeão Nacional…

FS : É verdade, e também contraí gonorreia. Passei bons tempos aí em Portugal.

CDB : Mas certamente não estaria à espera de realizar tão poucos jogos, tanto no Porto, como em Coimbra.

FS : É a vida. Também não estava à espera que ao aceitar um copo duma miúda na noite, fosse mais tarde acordar numa banheira, coberto de gelo. Mas acordei.

CDB : Roubaram-lhe um rim ?!? Isso explica a falta de exuberância física no tapete verde…

FS: Não, não…O rim ficou cá dentro. Pelos vistos a miúda só queria um autógrafo e violar-me. Ela pensava que eu era uma estrela de Bollywood. Quando pegou no B.I. e viu que eu era o Fatih Sonkaya, enfiou-me numa banheira e foi-se embora. Nem quis o meu rim. Nem sequer violar-me. (suspiro)

CDB : Vejo que o Fatih não teve uma vida fácil em Portugal, ao contrário dos seus adversários directos.

FS : O que quer insinuar com isso?

CDB : Bem, o anafado amigo tem a noção que desde o momento da sua contratação (2005) que o Estado Português tem uma comissão de inquérito a trabalhar 24/7 para descortinar alguma característica que possa ter levado o FC Porto a considerá-lo um jogador de futebol. Aliás, um jogador de futebol passível de ser contratado por um clube profissional.

FS : Bem sei, e também estou a par que os gajos ganham cerca de 5 milenas/mês, e têm a reforma garantida por inteiro ao cabo de 2 anos de casa. Mais apartamento na baixa, carro e gasolina à pala até 2033. Comissões de inquérito rulam. A mim não me escapa nada.

CDB : A bola costumava escapar. E o adversário também.

FS: Sim, nunca fui grande coisa a jogar futebol. Mas a coleccionar cotão de umbigo? Oh meu amigo, aí ninguém pára o Sonkaya allez oh.

CDB : Cotão de umbigo?

FS : Sim. Sou muito bom nisso. Cheguei a ser federado quando era petiz, na Holanda. Mas os meus Pais nunca me apoiaram. “Ah, devias era seguir uma carreira na bola, tens nome de jogador, dois pulmões e um centro de gravidade estável…"
Sempre achei essa conversa uma grande treta, mas enfim. Era isso, ou voltar a vender pêlo do sovaco para fazer perucas…e a família precisava do graveto.

CDB: Mas então deixou de coleccionar cotão no umbigo?

FS: Não, não…sempre desenvolvi essa capacidade como um hobby, ou uma actividade paralela, se quiser. Mas é difícil de conciliar com o futebol. Se corremos muito, suamos, e o cotão vai por ali abaixo na enxurrada. É difícil atingir um nível de estabilidade de cotão que nos permita armazenar uma quantidade apreciável.
Por esse motivo costumava guardar o cotão numa caixinha no balneário…e depois dos jogos voltava a colocá-lo no sítio: no meu umbigo quentinho.















CDB :
Ah, então ao contrário do que demonstrava na lateral-direita, o Sonkaya é um homem de muitos recursos.

FS: Bem, na teoria sim. Na prática, esta ideia não resultou por aí além, já que o Marek Cech ia amiúde ao meu cacifo e comia o cotão quando eu estava nos treinos.

CDB:
Está a afirmar que o Cech comia o seu cotão de umbigo??

FS : Sim, isso e ameijoas. O gajo gostava de ameijoas.

CDB : Hm. Ficou orgulhoso por ter deixado escola em Portugal ? Pouco tempo após a sua saída, o FC Porto acabou por contratar outro lateral com as suas características: Nélson Benítez.

FS : Sim, é verdade. Vieram-me as lágrimas aos olhos. O homem era em tudo idêntico a mim, mas jogava na esquerda. Era como ver-me ao espelho:
O Nélson não tinha pés, tinha tijolos octogonais ligados aos tornozelos.
O Nélson não tinha físico de jogador profissional, parecia um miúdo de 14 anos com atrofia muscular e herpes facial.
O Nélson era mau cabeceador, defendia mal, atacava ainda pior e tinha a velocidade de um caracol coxo – e morto.
A pedra de toque foi quando o vi tirar um cruzamento pela primeira vez : era capaz de jurar que Maomé carpiu lágrimas de sangue e matou quinhentas virgens mal a bola lhe saiu do pé. Foi um momento horrífico. Mas gratificante.

Nesse preciso momento soube que o meu legado estava em boas mãos.

CDB/FB: (abraço fraterno, acompanhado de sentido choro de homem)

segunda-feira, julho 12, 2010

Eu fui à Mercearia com o Rixa

Nos dias de Verão mais quentes, gosto de ir comprar frutinha fresca. Tipo melancias e coiso…mas das melancias verdadeiras, nada de cenas transgénicas ou de outras coisas que são vermelhas por dentro e verdes por fora, tipo o Miguel Veloso. E sobretudo, nada de maçãs podres e fruta espanhola, que ainda tenho os pitons do Carlos Alvarez estampados na canela...

Como a única fruta que há no Vietname tem patas e foge do prato, quando venho a Portugal costumo ligar ao meu amigo Rixa para dar ali um salto à mercearia. É que o gajo conhece o território nacional melhor do que o José Hermano Saraiva, já que o cota nunca jogou em doze clubes diferentes. E daí…talvez até tenha jogado, mas no Século XVIII, quando estava em idade activa, só havia meia dúzia de clubes embrionários, e o Pedro Roma era o guarda-redes de metade deles.

Enfim. Faz agora uma semana que liguei ao meu velho compincha do Leixões. O gajo atende o telefone assustado, como de costume.
- "Eh pá, é que sempre que atendo a m**** do fone, passados 5 minutos já estou a fazer a mala para outro lado. Fod*****, eu já nem desfaço a p*** da mala há 7 anos, ainda lá tenho t-shirts do Fido-Dido e do Sporting campeão, c*******!”

Pedi-lhe desculpa, e prometi que deixava de ligar de número privado. Normalmente não quero que reconheçam o meu número, porque gosto de ligar ao Quim Berto às 5 da manha a insultá-lo. Quer dizer, na maior parte das vezes nem sequer o insulto, limito-me a respirar pesadamente ao telefone enquanto ele berra do outro lado. Depois desligo e sento-me nu numa cadeira de baloiço a comer gelado enquanto ouço Meatloaf. Mas não quero revelar mais pormenores sobre a minha intimidade, já basta daquela vez que levei vestidas as cuecas da esposa para o balneário. O Edson Miolo riu-se como o cacete. Como se o gajo nunca tivesse usado fio dental…a verdade é que em cinco anos, o imbecil passou do Sporting para o Centro Limoeirense. Quem se ri agora? Hah! Se bem que dado os recentes desenvolvimentos, até é capaz de ter sido um passo em frente na carreira…
Apesar disso, tenho que confessar que até curto o gajo – o Miolo é o único tipo que conheço que posso gozar por jogar num clube mais ridículo que o meu, apesar de nem tudo ser mau lá no Vietname: no T&T Ha Noi sempre posso partilhar o balneário com dois míticos pés esquerdos do imaginário da nossa bola, como o Cristiano e o arborífico Gonzalo Marronkle.

Mas voltando ao Ricardo, depois de se acalmar com o telefonema, lá lhe disse:
- "Hóme, vamos comprar bananas e afins ?"

O gajo lá disse que vinha comigo, mas que ia levar a mala com ele.
”Nunca se sabe.”
Encontrámo-nos à porta de minha casa. Nos cinco minutos que nos separaram do destino, o Platini do Mar recebeu quatro telefonemas de três Países diferentes. Enquanto escolhíamos a meloa com melhor aspecto, comprometeu-se verbalmente com dois clubes e incompatibilizou-se com os treinadores dos quatro anteriores.

Gosto de sair com ele. O fulano é uma celebridade. Esteve a mostrar o passaporte ao coreano da mercearia e o gajo ficou mesmo impressionado. Como o Rixa já jogou na Coreia (obviamente), a conversa desenrolou-se na língua deles, mas acho que topei o chinoca a dizer: “Honlado Senhol Nascimento, seu passapolte palecel passapolte de Expo 98, estal cheio de calimbos!”

O Rixa respondeu-lhe com um milho bem pregado nos cornos e fugiu a passo, porque correr não é com ele. Eu, como sou bem mais rápido que o vento, ainda estive calmamente a escolher as nêsperas com melhor aspecto, enfiei-as na minha mochila do Walsall FC e saquei um sprint à CF77 (eu). Encontrei-o mais à frente, a assinar contrato com um clube da Macedónia numa esquina. Quando o relembrei que o Prof. Neca não iria achar grande piada à coisa, ele enfiou uma cabeçada no empresário, fez um telefonema ressabiado ao treinador do referido clube e ameaçou a rescisão. Desta vez foi fácil, porque o homem nunca tinha ouvido falar dele, o que tornou tudo mais simples.

Na minha óptica, o facto de os treinadores não saberem quem é o Ricardo à partida, acaba por ser uma situação positiva. Senão saberiam que ele e o Rui Pataca tinham andado armados em sul-americanos num treino do Montpellier há uns dez anos atrás : aí ficou bem vincado que a alcunha que pomposamente usava impressa na camisola – RIXA – teria algum fundo de verdade.

Ao menos a minha – CF77 - tem mais nível…estou sempre a dizer-lhe isso. Mas normalmente quando acabo a frase, ele já está a caminho do aeroporto de bilhete na mão. É impossível ter uma conversa normal com este gajo.

Vou mas é para casa comer frutinha, que já se faz tarde.

segunda-feira, julho 05, 2010

Queremos Ir Embora


O Sporting é uma experiência marcante na vida de um jogador. Mais para o mal que para o bem.
O seu ex-capitão lançou o primeiro grito de desespero: estava a ser queimado vivo no purgatório de Alcochete, sofrendo martírios inimagináveis, impossíveis de traduzir por palavras. Mas que se traduzem bem por mais 5000€ por mês. Ou por qualquer outra coisa, como um triciclo, um biberão, duas pastilhas Super Gorila e um Bollycao, enfim, qualquer coisa que o livrasse daquele dantesco balneário. Supõe-se que dez cotoveladas do Bruno Alves directamente ao sobrolho em cada treino é coisa pouca quando comparado com o ambiente daquele balneário. O balneário que o viu nascer e que esperou este tempo todo para o ver crescer. Em vão. Ele nunca passou dos 1,70 metros. O Gisvi é que era bom, esse calmeirão. Por acaso, também nunca mais ninguém soube mais nada dele.
Cristiano Ronaldo foi formado no Sporting. Vê-se logo. Cuspiu para quem lhe tornou numa mega-estrela, os media. Fez birrinha. Foi do céu para o inferno por um punhado de divisas. Quer lá saber do resto, desde que haja um espelho para se admirar. Isto é, só podia ter sido formado no Sporting. Tal como ele, há o Figo, o Simão, o Alfredo Bóia, etc., um monte de etc. que se acumulam por aí, um pouco por todos os lados. Menos no próprio Sporting, claro.
O Sporting forma grandes Homens para o século XXI. Mas sabemos que no século XXI os grandes Homens estão cada um por si, a vender as suas mães para comprarem Lamborghinis cor-de-rosa. Ou seja, os jogadores tornam-se monstros e fogem ao controlo do criador. Na última frase estava a pensar no Frankenstein e no Miguel Veloso depois de uma noite no Chimarrão.
O Sporting sofre uma espécie de complexo de Édipo ao contrário: enquanto os filhos estão por perto, o progenitor ama-os, mas estes não podem vê-lo pintado à frente. Quem passa pelo Sporting fica a odiá-lo de morte. E os que não ficam a odiá-lo e querem ficar são simplesmente inúteis, como o Caneira e o Pedro Silva. Embora um pudesse ajudar numa parceria do Alvaláxia com os Leitões de Negrais e o outro fosse óptimo para o lançamento do disco.
Logicamente, o Costinha, que se diz sportinguista desde pequeno, nunca jogou pelo Sporting. Senão estava calado. E o próprio Maniche ainda vai a tempo de não jogar, para assim exultar o seu sportinguismo de pleno direito.
Para não destoar, e quando toca ao futebol, os adeptos do Sporting detestam o Sporting. Compram lugares de época só para ir para o estádio assobiar a equipa, espezinhar a já de si parca dignidade dos seus pseudo-ídolos e libertar frustrações que eles nem sabem que tinham. Entre três sportinguistas há, no mínimo, quatro opiniões diferentes de como meter a equipa a jogar melhor. E qualquer uma das opiniões desperta a aversão nos outros sportinguistas. O sportinguista move-se pelo ódio e auto-depreciação. Os mais afoitos já dizem que são apenas anti-Benfica, ou seja, reconhecem abertamente que a sua equipa é tão fraca que já nem merece ser odiada, passando então a execrar somente os outros.
O Carriço já está nervoso com a braçadeira de capitão. A braçadeira de capitão no Sporting não é um símbolo de prestígio, é antes um pedaço de tecido amaldiçoado que incute no jogador um frémito súbito e incontrolável de partir. Bastou ver a forma como Moutinho carregava essa cruz que estava sempre a incomodá-lo no braço durante estes anos. Carriço já está a pensar em dar o salto para o campeonato turco, o Gil Vicente, o Kaizer Chiefs, qualquer lado. O Carriço já anda a consultar freneticamente o Google Maps para saber qual a melhor rota para sair de Alcochete.
Sá Pinto foi capitão do Sporting. Quis contrariar a tendência e regressou ao Sporting. Era motivo para lhe arranjarem uma camisa-de-forças, mas não, deixaram-no voltar. Saiu de lá ao murro. Barbosa foi capitão do Sporting. Não saiu e fez questão de mostrar o seu desagrado faltando por comparência às missões que lhe estavam reservadas enquanto director-desportivo. São assim as maldições.
E não é só o Moutinho e o Izmailov que querem ir para o Porto. Toda a gente quer ir para o Porto e fruir de um belo café com leite na casa do líder supremo. Por exemplo, o Torsiglieri já enfeita o seu cacifo com dragõezinhos de porcelana e diz para o André Santos, “Oye, tío, yo soy dragón desde niño y también soy dragón en el horóscopo chino”! E o André Santos diz que sim e que vai cortar o cabelo só quando for apresentado no Dragão. Ao lado, o Tonel chora enquanto olha para uma fotografia sua do tempo dos juniores e lamenta “Eu podia ter sido um Super Dragão, car***o. Chuif”. O Salomão acabou de chegar mas já não desdenha mudar de ares, completamente enjoado com três ou quatro dias de sportinguismo à séria. “No fundo, eu fico bem de azul. O verde faz-me parecer um sapo. É um horror”. E o Liedson promete técnicas de guerrilha espantosas esta época para que o deixem sair, suplantando as tentativas espectaculares, embora infrutíferas, das últimas épocas. Até o Paulinho está com meio olho no FCP. “Acho que se for para o Porto até vou conseguir andar de mota. Eu nunca consegui andar de mota desde que vim para aqui e estou farto de estar à espera”. Mesmo jogadores de outras épocas revelam agora o quanto desesperaram com o leão ao peito. Como Celsinho, por exemplo. “Eu queria era ter sido flop noutro lado qualquer”, reconhece. “Odeio o Sporting por não me deixar ter sido um flop a valer, como um Balboa, um Maicon ou mesmo um Jacaré. Julgo que eles não souberam desaproveitar o meu talento”. E Toñito. “Eu joguei no Futebol Clube do Porto”! Não, Toñito, então tu não te lembras que recusaste o Porto para jogar no Sporting? “Não, não era eu, eu nunca faria isso, por amor de Deus, larguem-me, deixem-me em paz”! Pois é, Toñito, mas hás-de ultrapassar essa fase de negação.
E quando os sportinguistas ultrapassarem a sua fase de negação, poderão então reconhecer que as iniciais do seu clube de futebol hoje em dia representam apenas Sportinguistas a Caminho do Porto.
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